quinta-feira, 9 de junho de 2016

A saloia

A saloia é uma mulher que não desenvolveu as suas aptidões sociais.
A saloia vive para os afazeres da casa e para os seus.
A saloia acorda com o nascer do sol e deita-se quando aquele se põe.
A saloia dá de comer à família e o seu habitat natural é na cozinha.
A saloia tem que tratar da casa.
A saloia fala da comida, das compras que tem que fazer, das horas das refeições e da casa.
A saloia não consegue desenvolver temas de conversa para além disso.
A saloia também não consegue manter uma conversa por muito tempo.
A saloia tem sempre sono, muito sono.
A saloia tenta lutar contra isso, tenta ler, tenta ouvir música, tenta ver filmes, tenta ir a festas.
À saloia só lhe resta tentar, porque por enquanto tem sono. E tem filhos para criar. E trabalho para apresentar.
A saloia sou eu.

Sou uma saloia. E descobri isto ontem, quando comentava com uma amiga que tenho sentido, de ano para o ano, que o cansaço do trabalho, acumulado com o cansaço dos filhos, me tem tirado todas as capacidades comunicativas e a capacidade de socializar com outras pessoas. Em resposta ao meu desabafo, ela primeiro disse-me que sentia o mesmo. Senti-me compreendida. Expliquei-lhe que tive um casamento há dias e que me sentia tão cansada, depois de noites sem dormir, que as conversas à mesa me passaram todas ao lado, enquanto eu assistia apática aos diálogos, como um simples espectador numa partida de ténis. Não trouxe temas ou opiniões inteligentes para a mesa, não acrescentei piadas espirituosas, não abrilhantei conversas nenhumas. Nada. Só me limitei a tentar acompanhar o que se dizia e a conter os bocejos. Ter dois bebés em casa é dose. E trabalhar durante o dia não melhora nada e suga-nos a energia. A minha amiga ainda não tem filhos, mas disse que me compreendia.

Depois, citou-me de forma livremente traduzida para português a passagem dum livro ["El tiempo entre costuras", de María Dueñas, que aborda a guerra civil espanhola e, a dada altura, a passagem pelo nosso país], em que basicamente me chamou de saloia. Sou uma saloia. Confiram lá se o meu desabafo sobre as minhas inaptidões sociais no casamento não coincide exatamente com a descrição destas portuguesas (penso que, mesmo sendo em espanhol, se percebe bem):

"La conversación entre los hombres se mantuvo a lo largo de casi dos horas, pero, a medida que ésta se agitaba, la reunión de mujeres iba decayendo. Cada vez que percibía que la negociación se enroscaba en algún punto sin aportar nada nuevo, volvía a concentrarme en sus esposas, pero las mujeres portuguesas hacía rato que se habían desentendido de mí y de mis esfuerzos por mantenerlas entretenidas, y daban ya cabezadas incapaces de contener el sueño. En su crudo día a día rural, probablemente se acostaran al caer el sol y se levantaran al alba para dar de comer a los animales y atender las faenas del campo y la cocina; aquel trasnoche cargado de vino, bombones y opulencia superaba con mucho lo que podían soportar."

Próximo objetivo de vida: reaprender a socializar.

2 comentários:

  1. De uma saloia (devido a localização geográfica)... Sim, tu tens um quê de saloia. Trabalhas o dia todo e, para além disso, ainda tens dois filhos que precisam de ti e te ocupam muito tempo. Ou seja, és uma grande lutadora.E o cansaço não passa num estalar de dedos, mas desde que não abandones a tua vontade tu vais ser capaz de tudo! Até de mandar piadas espirituosas em casamentos. Sê uma saloia, não penses demais e ri-te da vida :)

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  2. Oh Pippa, é assim mesmo que tem de ser. A tua energia agora está virada para outro lado, pronto. Voltarás a ser espirituosa, voltarás a socializar, tudo a seu tempo. O livro, que tenho a sorte de poder ler em original, é muito bonito e a série que a TVE fez também ficou muito bem.

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