terça-feira, 17 de novembro de 2015

Ainda a Malti

Estou há que tempos para contar o resto da história da Malti. Só que, de cada vez que retomo o texto, custa tanto que me forço a parar. Ontem recomecei e foi um bocadinho diferente. Tive saudades, mas consegui lembrar-me com um carinho tal que o carinho conseguiu superar o nó na garganta. Talvez esteja finalmente a entrar no ponto certo das saudades, não sei. Comecei a lembrar-me daquela companhia que me acompanhava há cinco anos, numa espécie de best of. Quando estava grávida e sozinha, longe de casa, era ela, monte de pelos e de energia, que me fazia sentir menos sozinha. Era era que me tirava de casa, todos os dias, chovesse ou fizesse sol, e me fazia andar pelo menos 20 minutos, em passo rápido. Era nela que eu confiava, quando ouvia algum barulho mais suspeito, fora de casa - "há-de ladrar, se for algum ladrão!". Era ela que me fazia esquecer o medo do escuro e das profundezas do escuro que vivem nas casas solitárias - sei que adultos não têm medo do escuro, mas quem nunca teve medo das profundezas do escuro, quando à noite, sozinho, apagou todas as luzes de casa, que atire a primeira pedra. Era com ela que falava, estando sozinha em casa, e me sentia menos louca por saber que existia um ouvinte, ainda que com quatro patas. Era ela que me esperava quando chegava a casa e me fazia sentir importante, com a sua cauda a dançar descontrolada. Dizem que os cães precisam de um dono, para os fazer feliz. Mas também há o contrário - não há sempre em todas as histórias? - e há donos que precisam de um cão para serem mais feliz. Eu precisei da Malti para ser mais feliz. E fui. Quando estava sozinha, deixava de me sentir sozinha. Quando estava cansada, deixava de me sentir cansada e ia passear com ela. A Malti fez-me tão bem que ainda não consegui acabar de contar a história dela.

Ontem, depois de ter recomeçado o texto que deixei inacabado, não consegui acabar e contar o fim. Mas não pensei mais nisso. Li parte do livro que ando a ler, o "Purity". Apaguei a luz. Adormeci. E, algures durante a noite, sonhei que a veterinária me ligou a dizer "Acordou do coma!". Saímos de casa a correr, a meio da noite, para a ir buscar. Abanou a cauda, quando nos viu, como se nada se tivesse passado. Saltou-nos para cima. Pediu festinhas e demos. Voltámos para casa, os quatro. Como nos velhos tempos. Como se um coma de 3 meses fosse assim, normal e totalmente reversível. Como se o tempo e os finais tristes não existissem. Fiz-lhe festas e senti-lhe o pelo, rebelde e real. Senti-lhe o cheirinho tão característico. Voltei a testemunhar a energia sem fim dela. Senti-a feliz por estar connosco. Hoje, tive um sonho muito bom. Acreditei por minutos que a minha fiel companheira de 5 anos ainda me acompanhava. Custou acordar, mas consegui resolver algo dentro de mim. Talvez alguma necessidade de me despedir uma última vez.

2 comentários:

  1. Nem sempre consigo seguir o blog mas esta história foi uma das que mais me marcou. Quando vi o título, vim logo ver mas já sabia que ia ficar com o coração nas mãos. Que texto tão bonito, fiquei arrepiada.

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  2. Não costumo ser chorona... mas acho que o que já sofri com animais que amei fez com que este texto tocasse num nervo sensível.
    Dei por mim de lágrima no olho ao ler sobre o teu sonho com a Malti.
    Porque de vez em quando ainda dou por mim a sonhar que reuni os meus pequenos (que nem se conheceram).
    Apesar de tudo, quando se gosta realmente de um animal... ama-se.

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