quinta-feira, 19 de março de 2015

Afinal este é o dia de quem?

Habituei-me a crescer vendo este dia como o "meu dia". O 19 de março era meu e de mais ninguém. Depois explicaram-me que era também o dia em que se celebrava o nosso o nosso pai. Ok, não há problema, pensei. E dava também um beijinho ao meu pai, algures a meio do dia, enquanto abria os presentes e comia mais uns bolos. A verdade é que ainda não havia a pressão comercial que há hoje - a de darmos mundos e fundos, e ainda de descrevermos em todas as redes sociais o quão bom é o nosso pai. Um beijinho chegava e estava muito bem. Continuávamos os festejos do "meu dia" como se nada se passasse. Até que a pressão comercial chegou em força. Primeiro, uns anúncios a perfumes. Depois, anúncios a roupa. Até que vieram os anúncios a gadgets caríssimos, relógios e outros acessórios que custam os olhos da cara. No meio disto tudo, cada vez mais o meu beijinho passou a parecer algo demasiado humilde. E começou a ir acompanhado de algo mais. O meu pai fazia sempre cara de surpreso e lá recebia o miminho. E íamos convivendo bem com os dois festejos em simultâneo e a partilhar o protagonismo do dia. Só que a partir deste ano... A partir deste ano, tornou-se tudo uma confusão do caraças, porque tenho mais um pai para "parabenizar" - o homem que escolhi para ser o pai da minha bebé. E hoje acordei a pensar que tinha que por ordem nisto. Não há espaço para tanta gente num só dia! Além do mais, na verdadeira essência das coisas, a Constança ainda não sabe sequer se tem um bom pai ou não (por acaso até tem um dos melhores pais do mundo, segundo um estudo feito por mim, mas adiante), por isso, como é que pode agradecer ao pai? Não pode, certo? Teria que ser eu a agradecer em nome dela. Em nome dela, repito, que ainda não sabe se tem um bom pai ou não. Por isso, a dar algo, seria eu a dar em meu nome, certo? Acompanharam-me até aqui? Muito bem. Assim sendo, até a Constança falar e ter algum discernimento ou opinião sobre a paternidade, considero a inscrição para "parabenizações" deste dia congelada. Para já, este dia é meu e do meu pai. Sim, a dupla que se tem entendido faz hoje 33 anos. E se eu espero estar de parabéns enquanto filha, o meu pai está, sem dúvida, mais uma vez de parabéns, enquanto pai (e enquanto pai a dobrar). Parabéns, papá. Cada ano que passa mais percebo o pai fenomenal, dedicado, incomparável e incansável que foste.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Tinha que partilhar isto

Descobri isto há dias e ainda não consegui parar de ouvir. Com tanta música mais ou menos complexa, mais ou menos mexida, que oiço, quer seja na rádio, quer seja na minha lista do Spotify, quando começou a dar esta música com uma melodia tão simples e despojada de acordes ou arranjos complicados, senti que ficou tudo em suspenso. Parou tudo. "O que é isto? Quem é este?". Não sei se é por adorar piano, não sei se é por ser uma fã do estilo "Imagine", do Lennon, mas ando em modo "repeat" sem conseguir parar de ouvir este jovem canadiano de seu nome Tobias Jesso Jr. Decorem que, ou muito me engano, ou vai longe. Ouçam, se vos apetecer. Se não, ouçam na mesma ;)

PS: Entretanto, descobri que atuou há dois dias no Conan. Podem ver aqui. É a mesma música, mas com outros instrumentos. Adorei.

terça-feira, 17 de março de 2015

Dos amores sem pontos finais

Nascemos com cada função ou sentimento bem doseado, bem definido. Temos, algures dentro de nós, um saco com o número de lágrimas exactas que vamos precisar ao longo da vida. Temos outro saco, algures na imensidão do nosso ser, com o total de gargalhadas que podemos vir a dar. Noutro saco temos as horas de sono, por exemplo. Assim que um dos sacos fique vazio, não há possibilidade de o encher outra vez. Por isso, se o saco das lágrimas secar, nunca mais conseguimos chorar. Se o saco das gargalhadas se esvaziar, nunca mais da nossa boca sairá uma gargalhada igual.

Cresci a acreditar nisto, depois de a minha mãe me ter explicado que a razão de nunca a ter visto chorar foi por ter chorado tudo em pequenina. Cresci a acreditar nisto, porque a minha mãe também me explicou que, hoje em dia, eu nunca tenho sono porque dormi tudo em pequena. Temos uma dose certa para tudo na vida. Foi esta a lição que aprendi e que trago sempre comigo desde então. Temos, algures dentro de nós, um saco com as lágrimas que vamos precisar. Um saco com as gargalhadas que vamos dar. Um saco com o amor. Com o amor? Sim, nasci a acreditar que também o amor que temos dentro de nós tem limites e pode esgotar-se. Só que agora ando, desde há uns dez meses, a tentar doseá-lo com cuidado, porque sinto que ando descontrolada. De dia para dia sinto que estou a usar cada mais maiores doses. Porque olho para os teus olhos e percebo que cada vez gosto mais de ti. Porque este amor parece crescer dentro de mim e eu não o controlo. Porque - pior de tudo, blasfémia! - quero continuar a gostar assim de ti toda a vida, com esta intensidade. Por isso, só me resta esperar que alguns destes sacos com que nascemos não tenham fundo. Só me resta esperar que algumas doses sejam tão generosas que posso continuar a consumir amor assim, sempre que me apetecer. Porque quero continuar a gostar assim de ti, minha filha, de forma intensa Sem pontos finais Para sempre

As mães também têm vida

A semana passada marquei um jogo de padel com uma amiga no final do dia. Já não marcava algo do estilo há tanto tempo que andava excitada como uma adolescente. Mas o melhor foi mesmo a forma como marcámos o jogo: encontrámo-nos para um café e, a meio dum desabafo meu:
- Sabes, ando com vontade de me inscrever nas aulas de padel. É parecido com ténis, por isso, matava as saudades do desporto. Ainda por cima tenho uma escola praticamente ao lado de casa e têm aulas à noite...
- Padel?!
- Sim...
- Oh...! Eu ando a chatear toda a gente para vir jogar comigo, mas ainda não consegui convencer ninguém!!
- Não me tinhas chateado a mim.
- Pois, porque tu...
- Eu...?
- Tu és mãe. Sei lá, eu acho sempre que as mães têm coisas mais importantes para fazer.
- Temos mais coisas para fazer, mas queremos fazer programas giros na mesma.
- Tens razão. Devia ter-te perguntado.

Sim, as mãe também têm vida. Pelo menos, eu tenho, e morria se deixasse de ter alguma vida social. E, aqui entre nós, quem levanta dez quilos às escuras, às seis da manhã, faz, quase sem se cansar, qualquer outro desporto com uma perna às costas. Neste caso, com a raquete na mão.

segunda-feira, 9 de março de 2015

A rapariga sem cor

Terminei ontem "A peregrinação do rapaz sem cor", do Haruki Murakami. Dizia a sinopse que a personagem principal, o tal rapaz sem cor, de nome Tsukuru, "leva uma existência pacífica, que talvez peque por ser demasiado solitária, para não dizer insípida, a condizer com a ausência de cor que caracteriza o seu nome". Todo o livro gira à volta da procura da resposta para um "porquê?" muito específico: os quatro melhores amigos deixaram de lhe falar há um par de anos. Cortaram relações com ele, de forma abrupta, ao fim de anos e anos de uma amizade que funcionava em perfeita harmonia. Porquê? Os anos foram passando e Tsukuru nunca encontrou resposta. Até ao presente, em que decide fazer tudo o que estiver ao seu alcance para esclarecer esta dúvida que marcou parte da sua existência. No entanto, a dúvida deixou marcas e Tsukuru passou os últimos anos da sua vida a sentir-se um recipiente vazio, em que pessoas deixavam parte da sua existência ao passar, mas sem levar nada em troca. Tsukuru sente-se uma pessoa desprovida de cor, alegria, emoções ou qualquer tipo de interesse que possa levar alguém a querer aproximar-se dele, e atribui a esse motivo o afastamento dos amigos.

Terminei ontem o livro, mas esta imagem ficou marcada na minha memória e deixou-me a pensar: um recipiente vazio, alguém sem nada para dar a quem por nós passa. Quantos de nós não somos engolidos pelo quotidiano, pelo casa-trabalho-casa e esvaziamos o nosso recipiente de interesse e alegria? Temos mais para dar aos outros que o nosso contributo no trabalho? E pensei muito nisto talvez por causa dos acontecimentos mais recentes da minha vida. A minha avó esteve mal no Sábado. Mesmo mal. E não consegui deixar de desejar ardentemente, a dada altura, que toda a alegria e a cor que me transmitem apenas a imagem dela, o simples pensar nela, possa eu um dia transmitir a alguém. A minha avó foi, é, e sei que vai continuar a ser por muitos e muitos anos um recipiente cheio de vida, uma pessoa cheia de cor. A minha avó é a total antítese do livro, parece conter em si todas as cores do mundo.

Terminei ontem "A peregrinação do rapaz sem cor". Mas não consigo deixar de sentir que continuo eu, no meu dia-a-dia com tantos momentos insípidos, a história enquanto rapariga sem cor. E mesmo que, no livro, as explicações se revelassem afinal bem mais simples e menos dramáticas do que o que era esperado pelo Tsukuro, e mesmo que a minha avó tenha ficado bem, não consegui deixar de ficar a pensar nisto das pessoas e dos recipientes vazios e sem cor para dar aos outros. Espero que parte disto da alegria de viver e do calor que se transmite aos outros seja hereditário. E que herde eu também um pouco (sim, basta-me um pouco) da cor e da alegria da minha querida avó.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Diálogos com uma bebé

A Constança já repete umas palavras. Não "mamã", porque parece que não está para aí virada. Não "papá", porque pelos vistos o papá não é a prioridade. Repete, isso sim, "áltaa!", "áacáa" e ainda "aqui!!". E repete todas estas palavras à Malti, de braços no ar, com uns ares de italiana nervosa. Nunca fui à Sicília, mas é assim que imagino as sicilianas: a bracejar e a repetir as palavras alto, de forma ritmada e preocupada. A Malti passa e é vê-la a bracejar e a tentar chamar-lhe a atenção (muitas vezes, com comida na mão, para a aliciar, que a miúda não é burra de todo): "[M]áaalta, [m]áaalta!! aquiii!! áa[nda] cáa". Ora, depois de ter passado uns dias a pensar que a minha missão como mãe andava a fracassar, pois não conseguia vencer a uma cadela na luta pelo coração da minha própria filha, decidi dar a volta à situação. Ensinei-a a responder com as palavras que aprendeu às seguintes perguntas:

- Quando fores grande, queres ser baixa ou alta?
- Aaaltaaa!! Aaaaaltaaaa!! (de braços no ar)

- Onde é que nasceu Portugal?
- Aquiiii!!! Aquiiii! (o que lhe dá uns ares de mini Hermano Saraiva que confesso que adoro!)

- Qual é a capital do Gana??
- Ácaaa!! Ácaaa!! (é bebé, desculpa-se não dizer o "r", certo?)

De maneiras que já ninguém há-de reparar que a minha excelsa filha não quer saber dos pais para nada.

Pais 1. Malti 0.

quarta-feira, 4 de março de 2015

A palavra "sexo" deixou de ser dita baixinho

Nesta euforia em torno das "50 sombras de grey", acho que há algo de muito positivo a retirar. Pode não se retirar nada de positivo em termos de História do Cinema. Pode não se retirar nada de positivo em termos de Literatura (sim, tudo com letras maiúsculas). No entanto, parece-me que se terá obrigatoriamente que dar um grande mérito à história: colocou-nos a todos a pensardespudoradamente em sexo e, mais que isso, a admitir que o fazíamos e a falar sobre isso nem que seja com a desculpa "estou a ver, porque quero confirmar que é péssimo! (...) Sim, e agora estou a ver a segunda vez, para confirmar melhor ainda!!" ou "só estou a perceber o histerismo em torno disto, eu não gosto deste tipo de histórias, até acho isto nojento, imundo... agora com licença, que tenho que acabar o 28.º capítulo". O sexo é tabu. E finalmente pessoas de todas as idades (já discuti a história com pessoas de mais de 70 anos!) discutem o tema.

Quanto a mim, não posso ainda falar do livro (não li), nem do filme. Tentei ver o filme em casa, mas... percebi que estava a ver uma versão CENSURADA. Dá para acreditar? Eu bem estava a achar estranho as legendas em carateres desconhecidos que apareciam debaixo das legendas em português. Eu bem que estava a achar estranho as cenas mais tórridas serem tão resumidas e não acontecer nada de especial: ela trincava o lábio, ele atirava-se para cima dela, ela gemia, e três segundos depois já se estavam a vestir. Era literalmente assim. Sem pele, sequer: apenas os rostos de ambos a denotar algum prazer, o pescoço e.. pimbas, imagem cortada. Só a mim! Pelo que continuo curiosa. E muito. E vocês, já viram o filme versão não censurada (preferencialmente não censurada, pois eu devo ter sido a única pessoa no mundo não residente na Coreia do Norte a ver aquela versão)? Aprende-se alguma coisa? Vá, não se acanhem e contem-me tudo...