segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Onde estavas na madrugada de 22 de novembro?

...A acalmar a fera, que continuava a chorar como gente grande.

Sexta-feira, uma e meia da manhã, e eu já estava com olheiras até ao chão.
Já tinha experimentado todo o meu repertório de músicas infantis, tinha feito uma breve incursão ao fado (Amália, espero que não estejas a dar voltas na campa por minha causa!), às músicas que me lembrava da catequese, e acabei, como sempre, a inventar músicas e letras sobre os mais variados temas. Sim, chega uma hora em que vale tudo!
Já tinha experimentado embalá-la.
Já tinha experimentado dar mais e mais leite ("terás fome?").
Já tinha experimentado trocar de fralda e de roupa ("estarás incomodada com alguma coisa?").
Já tinha experimentado deitá-la na cama e deixá-la ficar até adormecer ("vou educar-te, minha menina! isto não é só mimo!!").
Já tinha experimentado tirá-la da cama e dar mimo, em modo completamente bipolar ("coitadinha, pronto, anda cá, não estava a falar a sério").
Já tinha experimentado conversar com ela de forma adulta e explicar-lhe porque é que não era razoável continuar acordada, com toda a argumentação possível e imaginária.
Já tinha experimentado cantar mais.
E tinha voltado a apelar-lhe à razão ("não achas que já devias dormir? é tarde e tens seis meses apenas... não são horas de estar acordada. guarda essa vontade para quando fores adolescente e quiseres sair à noite. ou para quando fores adulta e tiveres prazos no trabalho para cumprir...")
Estava K.O.!

Até que liguei a televisão e comecei a assistir às notícias: "José Sócrates detido". "Como???".
Não queria acreditar. E ali fiquei a ouvir as notícias. E a acreditar que, afinal, não vivemos num país em que a chico-espertice vinga sempre. A acreditar que, afinal, não vivemos num país em que o excesso de formalismo se sobrepõe sempre ao que está materialmente errado. A semana passada foi histórica. Digam o que disserem, tenham todos os processos ("golden visa", Sócrates, etc) o desfecho que tiverem, e tendo sempre presente a presunção de inocência, a verdade é que nunca mais nada será como dantes.

A semana passada foi histórica. E a madrugada de 22 de novembro foi apenas o culminar de uma nova era. Não se trata só de ser quem é, de se gostar ou não da pessoa em causa. Mas trata-se, sendo quem é e quem foi, de tudo o que isso significa: 1- Ninguém está (realmente) acima da lei; 2- A justiça pode ser praticamente invisível, pode ser lenta e pode ser demasiado formalista. Mas trabalha. E não dorme; 3- O crime não pode compensar. Seja praticado por quem for.

Fiquei colada à televisão, calma e expectante, a tentar perceber tudo o que estava a acontecer. Escusado será dizer que olhei para baixo e vi que a fera estava adormecida. Adormeceu em dois minutos.

Onde é que eu estava na madrugada de 22 de novembro? Em casa, com o meu animal feroz adormecido nos braços, numa perfeita analogia com o que estava a acontecer lá fora.

1 comentário:

  1. A noticia do Socrates na prisão fez adormecer a tua fera?
    Então imagina o que acontecerá se ele for considerado culpado :P

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