domingo, 10 de agosto de 2014

Aqui no meio de tudo

Estamos no meio do nada há dias. E pelo "meio do nada" entenda-se em Alfândega da Fé. Já andámos a passear por Macedo de Cavaleiros, Mogadouro, Mirandela e, além de concluir que vou acabar este passeio de Sul a Norte obesa (se no Alentejo se come bem, por aqui não se fica nada atrás), saio também daqui com a sensação que o tempo aqui passa mais devagar. Primeiro, porque o dia começa bem mais cedo, com as galinhas - ou com o galo, para ser mais precisa. Saio do quarto para a varanda e vejo as andorinhas a percorrerem o céu, a cumprimentarem o novo dia. Olho para a piscina e vejo bicharada a fugir antes que o sol rompa o horizonte e ilumine tudo. Já vi rãs, salamandras e até um sapo gorducho. Ovelhas e burros. Depois, porque em todas as ruas parece respirar-se calma. Passeamos pelas ruas, cumprimentamos, somos cumprimentados, e ninguém tem pressa, ninguém está atrasado. Tudo é motivo de conversa, tudo é interessante, tudo merece a discussão, demore o tempo que demorar. Já acabámos em casas de senhores que insistem "provem o vinho!", já trincámos maçãs "puras, sem químicos, tudo natural", já saímos das casas com um salpicão e chouriços. Já falei sobre o Porto e Lisboa, sobre os ossos e o efeito que a mudança de temperatura tem sobre eles, já falei sobre a amamentação, já falei sobre os filhos e netos que não conheço, já falei sobre truques para temperar a carne e até já adivinhei idades - qualquer assunto serve. Ou tentei adivinhar idades. Porque na verdade errei. Esqueci-me que o tempo aqui passa mais devagar. Ou nem sequer passa. As pessoas aqui não envelhecem por dentro. E por fora envelhecem mais devagar. "50? 55? Não tem ainda 60, pois não?... 66??! Já tem 66? Não acredito!". As pessoas aqui riem-se com o corpo todo. E olham-nos nos olhos. Querem saber de nós. Querem ter-nos nas suas casas. As pessoas aqui são crianças e acreditam em nós de brilho nos olhos. E eu acredito nelas, mesmo sem as conhecer. Estamos no meio do nada há dias. Sem rede no telemóvel, sem internet. E apetece-me ficar por aqui. Apetece-me ficar aqui a mostrar as galinhas - e o galo madrugador - à Constança. Apetece-me acordá-la cedinho, ir até à varanda e mostrar-lhe as andorinhas que cruzam o céu. Mostrar-lhe lá em baixo as rãs. As salamandras. O sapo gordo. Passear com ela e ver velhas e burros. Apetece-me ensinar-lhe os nomes dos rios. Das árvores. Apetece-me dar-lhe a mão e entrar com ela nas casas que não conhecemos, mas onde somos convidados. Apetece-me ensiná-la a rir-se com o corpo todo. A acreditar em todos. Apetece-me mostrar-lhe o brilho dos olhos destas pessoas e dar-lhe um pouco desse brilho também. Mas tenho tempo. Aqui, no meio de tudo, consigo acreditar que tenho tempo. Muito tempo. Tenho todo o tempo do mundo para lhe dar todo o tempo que quero viver com ela.

Sem comentários:

Enviar um comentário