quinta-feira, 3 de abril de 2014

E desejos? E desejos?

Até agora, não tive ainda desejos de grávida surpreendentes e relevantes, o que me desilude muito. Imaginei-me uma grávida cheia de estilo, a salivar com alimentos raros e de requinte, e a contar a todos "sim, de facto tive alguns desejos.... ostras, foie gras aromatizada com vinho do Porto e redução do mesmo, camarão tigre com molho de leite de coco e caril sobre risotto de ervilhas, magret de pato marcado ao momento em cama de puré de batata-doce... nada de especial, portanto". Mas seria mentira. As únicas vezes que dei por mim a salivar por algo foi ao ver alguém beber gin (é mau, eu sei), ao passar no Mcdonald's e a sentir aquele cheirinho a batatas fritas, e ao ver uns croissants de chocolate ótimos que há ao pé do meu trabalho. De resto, a gulodice normal de antes e a necessidade semanal de ir comer sushi. Desculpa, filha. Não vais poder dizer mais tarde, em conversa com amigos, num qualquer restaurante in do momento, a saborear um prato gourmet qualquer "acredito que este prato é dos meus preferidos, porque já a minha mãe adorava e tinha desejos disto quando estava grávida!". Desculpa se te impeço de brilhar e de ganhares a admiração de todos com a tua classe e requinte que já vem do útero.

Peço também desculpa por não andar a ouvir todos os dias Chopin, Bach, Beethoven, Schumann, Liszt e Tchaikovsky de forma a permitir que o teu cérebro se desenvolva a uma velocidade estonteante, como os livros e os fóruns de grávidas na internet recomendam. Sim, ando a ouvir os meus grupos do costume, que vais com certeza achar antiquados quando fores mais velha.

Ah e desculpa também não andar a ler obras do Sófocles, Virgínio, Confúcio, Shakespeare, Goethe, Baudelaire ou Dostoievski no original, em voz alta para ti, todas as noites, de forma a nasceres já poliglota e intelectualmente evoluída, como também já li nalgum lado que devia fazer.

Desculpa. Mas garanto-te que, mesmo sem ter desejos de pratos gourmet, sem ouvir música erudita ou sem ler os grandes clássicos da literatura durante os meses em que estive grávida de ti, desde que te senti a primeira vez que não caibo em mim de alegria. Foi uma gravidez feliz, tranquila e sorridente. E acredito que, no final, isso vale mais que qualquer truque barato lido em fóruns de grávidas ou lido em livros dos grandes entendedores de bebés para fazer de ti uma pessoa também feliz e confiante. Sentes esta alegria toda, não sentes? Sentes este amor que não cabe em mim, não sentes? Quanto à tua erudição... Temos toda a vida para tratar disso se for essa a tua vontade.

1 comentário:

  1. Acho que ela vai dizer algo do género: "Eu acho que sou bem disposta porque a minha mãe quando estava grávida de mim andava sempre bem disposta. Até tinha um blogue muito bem disposto! Ou então, não, isto é tudo genético e saio ao meu pai."

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