sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Não acredito em precipitações

A minha professora de Espanhol é, segundo a própria,"muy muy patosa". A primeira vez que ouvimos a palavra, não a identificámos. Soava a "pato". Só isso.
- Patosa?
- Sí. Patosa!
E começou com a gesticular, a fingir deixar cair coisas, a fingir que tropeçava, enquanto se ria dela própria.
- Patosa...!
- Ah! 
E, à falta de palavra mais engraçada ("trapalhona" e "distraída" não são palavras com uma sonoridade tão forte), lá ficou assim batizada - patosa.

Não consegui achar piada à minha professora de Espanhol à primeira. Achava que se ria muito, demasiado, até dobrar o lábio de cima, mesmo quando as coisas não tinham piada.
- ... Y entonces mi abuela se rompió una perna y se quedó coja desde ese día.
E ria, enquanto eu ficava séria, com os músculos da cara tensos, a pensar qual seria a piada em ver a avó com a perna partida e coxa até ao fim da vida. Definitivamente, não percebi o sentido de humor dela à primeira. E acho que, como eu, todo o resto da turma.

A minha professora de Espanhol tem horários de latina, explica muitas vezes. E tenta, assim, justificar os seus sucessivos atrasos. Mas só começámos a perdoar para aí à quarta vez. E porque ela depois compensava com aulas espetaculares e cheias de boa disposição.

A minha professora de Espanhol explicou-nos que os Espanhóis não nos odeiam - os Espanhóis odeiam os Franceses. A nós não odeiam, porque nem se lembram que existimos. "Es verdad!", insiste. Enquanto se ri. Muito. E explicou-nos que a mãe só se apercebeu que Portugal existia, quando ela veio para cá dar aulas. Agora, pelos vistos, está sempre a ligar-lhe a falar de Portugal, ou porque ouviu nas notícias, ou porque ouviu falar a nossa língua na rua... Vê-se que a professora gosta muito da mãe, porque, quando fala dela e se ri, não dobra o lábio de cima, mas dobra apenas os olhos, que ficam mais transparentes.

Hoje a minha professora de Espanhol voltou a atrasar-se. Dez. Quinze. Vinte minutos. "Ela bem diz que é patosa! Aposto que vai chegar a tropeçar e a pedir desculpa!", dizia um. "Se tivéssemos todos estes horários latinos, o país não saía do sítio", dizia outro. Até que alguém recebeu uma mensagem dum número estrangeiro e nos traduziu: "Desculpem. A minha mãe morreu. Vim para Espanha." Naquele momento, fez-se silêncio. E dei por mim apenas a pedir para voltar a ver o riso dela, as mímicas a fingir que tropeçava, o lábio de cima a dobrar para trás de tanto rir.... Naquele momento, fez-se silêncio absoluto, ninguém se riu mais, e tenho a certeza que todos viajámos para Espanha por uns segundos e lhe demos um abraço sentido. Sim, a minha professora de Espanhol pode ser patosa, e atrasada, e rir-se demais. Mas é também das professoras mais "guay" que já tive. Se o meu Espanhol chegasse, dizia-lhe tudo isto na língua dela. Assim, fica aqui registado no meu cantinho tudo o que me apetecia dizer-lhe.

Sim, não acredito em precipitações. Quando nos precipitamos a avaliar alguém, como fiz, erramos sempre. E ainda bem. Gosto de boas surpresas. Mesmo que vindas do lado de lá da fronteira.

2 comentários:

  1. Estou de acordo. Adorei a descrição. Atéparece que já ouvia as gargalhadas. :-)

    ResponderEliminar
  2. Anónimo16:04

    E onde são essas aulas? Até fiquei com vontade de aprender espanhol!

    ResponderEliminar