Ela tinha que tomar a maldita vacina antes de ir de viagem. Ia-se esquecendo! Foi a correr ao centro de saúde mais próximo e pediu para lhe espetarem a porcaria da seringa. Só não espetou ela própria, porque com os nervos ainda fazia alguma asneira e magoava-se a valer.
- Olá! Vou viajar pela Ásia durante três semanas, disseram-me que tinha que vir aqui vacinar-me...
- Olá!
- Que sorte. Lua-de-mel?
- Não, viagem de amigas. Para a lua-de-mel ainda falta. Primeiro tenho que descobrir o futuro marido!!
Riram-se. Ela reparou, como quem não quer a coisa, nas covinhas que ele fazia a rir e nos olhos verdes gigantes dele. Que lindos! E não tinha aliança... Devia ser pouco mais velho.
- Levante a camisola, por favor.
Ela distraída com os seus pensamentos, preparava-se para tirar a camisola completamente.
- Não! Só preciso que levante a manga. A injecção é no braço.
- Oh desculpe. Estava distraída.
- Até onde vai viajar? Já tem itinerário?
Ficaram a falar de viagens. Demasiado tempo, porque a dada altura repararam na fila que se tinha formado fora da sala.
- Bem, já lhe tomei muito tempo. Obrigada! Depois conto que tal correu.
Quando chegou a casa, já tinha um convite dele no Facebook. Como a teria descoberto? Pelo nome que deixou na ficha que preencheu? Falaram no chat. Escusado será dizer que, no dia seguinte, alguém embarcou de directa num voo de doze horas. Mas sentia-se invencível e sem sono. Ele parecia incrível!! Há tanto tempo que não conhecia assim alguém. Três semanas depois, sem internet e sem contactos com o mundo, voltou para casa da viagem da sua vida. Ligou o computador. "Já tenho saudades. Volta depressa", tinha-lhe dito ele às 4h da manhã três dias antes, numa Sexta-feira. Seria o álcool? Respondeu. Conversa puxa conversa, marcaram um encontro. E depois outro. E depois outro. Acabaram por se envolver e ficar em casa dela. Ela estava apaixonada. Completamente apaixonada. Como não se lembrava de alguma vez ter estado.
Dois meses depois de começarem a andar, ele disse-lhe que ia para o Algarve de férias duas semanas, só com os amigos. Despediram-se como amantes que se despedem para sempre. Ela ficou sozinha, a morrer de saudades, até que decidiu fazer-lhe uma surpresa. Meteu-se no carro e apareceu no aldeamento em que ele estava.
- Surpresa!!
- Tu? Aqui??
- Sim!! Em choque?
- Sim... Completamente.
Acabou por passar com ele uma noite. Sentiu que ele não estava muito à vontade junto aos amigos, que estavam todos sozinhos, sem companhia. No dia seguinte, ela decidiu ir embora.
Quando ele voltou, foi esperá-lo à porta de casa, para fazer nova surpresa.
- Surpresa!!
Ele estava cansado, por isso apenas dormiram. No dia seguinte, ela desmarcou um jantar com amigos para estar com ele. Queria recuperar o tempo perdido. Nessas duas semanas a seguir, sentiu-o estranho, mas não se deixou vencer. Ligava-lhe sempre. Para jantarem. Para irem ao cinema. Para namorarem. Até que reparou que era sempre ela que ligava. E que ele deixou de poder sempre. Quis falar com ele.
- Então? Que se passa?
- Nada.
- Estás diferente.
- Não estou.
- Porque te tens cortado e já não me ligas?
- Sei lá... Tenho andado com mais trabalho.
Ela já conhecia a desculpa de cor. Não era nada trabalho. Ela é que se tinha entregue demasiado. Deixou de ter vida própria. Passou a viver em função dele. Decidiu mudar. Não lhe ia ligar mais. Por muito que custasse.
Uns tempos depois, reencontraram-se por acaso numa discoteca. Ela estava com amigos. Parecia divertida e estava com bom aspecto.Ele foi ter com ela.
- Estás aqui.
- Aparentemente.
- Tenho saudades tuas.
- Agora?!
- Sim. Afastaste-te. Deixaste-me com saudades. Mas sabes? Gosto de te ver assim independente e autónoma.
- Não. Tu gostas é de desprezo. Vamos apostar? Vou virar-te costas, não vou ligar-te mais e vais ficar obcecado por mim nos próximos tempos.
- Ahah. Combinado. Mas aposto que não vais conseguir não ligar-me.
- Não me conheces bem. Espera para ver.
Assim foi. Ela aguentou. Sem ligar uma única vez. Ele passou a semana a seguir a pensar nela. E como ela tinha garra. Lembrava-se da primeira vez que a viu, com os olhos a brilhar a falar da viagem. Da vez em que apareceu no Algarve, sozinha. Da coragem que teve em ir, mesmo sabendo que se podiam desencontrar. Lembrou-se da loucura dela. E riu-se sozinho. Realmente, agora, sozinho naquela cama, percebia o mulherão que tinha encontrado. Pegou no telefone. Decidiu ligar-lhe. Sempre sem deixar de pensar: "sempre é verdade o que diziam. Os homens precisam é de despezo."