domingo, 7 de julho de 2013

Ele era viciado em romance

Trocavam mensagens de telemóvel há semanas. O primeiro beijo tinha acontecido logo dias depois de se conhecerem. O resto veio logo a seguir, apesar de, dia sim, dia não, terem a típica conversa do "temos que ir com calma!!". Mas ela já estava completamente apaixonada.Estava apaixonada por tudo o que ele era. Estava apaixonada pelos sonhos que ele tinha. Pela quinta que iam construir juntos. Pelos filhos que iriam correr entre os cavalos até ser noite. Estava apaixonada pelas mil e uma viagens que iriam fazer juntos. Estava apaixonada até pelo facto de gostarem os dois de música clássica. E de musicais. Ele era a pessoa mais interessante que ela já tinha conhecido e sentia-se uma privilegiada por saber tudo aquilo sobre ele.

Uma noite, ele saiu de casa dela depois dum jantar cuja sobremesa se prolongou, e, talvez ainda com o arrebatamento do encontro, esqueceu-se do telemóvel. Ela queria avisá-lo, mas não tinha como. Tinha que esperar que ele reparasse e voltasse para trás. Os minutos foram passando e nada. Uma hora, duas. Decidiu ir dormir. Os encontros arrebatadores exigem um sono reparador à altura. Pegou no telemóvel dele e colocou-o na mesinha de cabeceira. Deitou-se. Apagou a luz. Um "bip" despertou-a. "Bip!", pareceu insistir o pequeno aparelho. Olhou para o telemóvel. Era uma mensagem. O remetente tinha um nome feminino que não reconheceu. "Quem será?... Bem, não é da minha conta, vou dormir". Mas não conseguia. A sua cabeça pensava em mil hipóteses. "Uma colega? Uma amiga? Prima? Que quererá a estas horas? Será que tem outra? Pior - será importante? Espera. Não é nada disso... Já sei. Como é que não vi antes? É um telemóvel de alguém que arranjou, e foi a única maneira de me dar notícias. Tenho que ler, é ele a comunicar comigo, já que não tem telemóvel!" E assim se convenceu a pegar no telemóvel dele e esquecer as regras da privacidade. Tinha que ser: a mensagem era para ela! Abriu a mensagem.

- Estou a ouvir um Nocturno do Chopin e lembrei-me de ti. Tenho saudades tuas. Tens que vir cá ver como ficou a quinta, depois das obras de restauração. Até os cavalos parecem mais felizes.

"Desculpa?", pensou ela, furiosa. A música clássica, a quinta, os cavalos. A conversa era a mesma. Só que, pelos vistos, esta estava um passo à frente e já tinha até tudo isso. Ficou furiosa. A cabeça parecia que ia explodir. Sentia-se traída. Enganada. Ele tinha-a enganado. Usava aqueles trunfos com todas. Ela não era especial, era só mais uma a quem ele lançava o charme e queria ser idolatrado por isso. Ele precisava de romance. E usava quem pudesse para obter algum. Nessa noite, ela nem conseguiu dormir. Foi dominada pelos piores pensamentos possíveis. Ele era uma fraude e ela sentia-se num pesadelo. No dia seguinte, ele tocou à campainha logo às 8h. Ela deixou-o subir, enquanto espreitava ao espelho o próprio reflexo cansado e cheio de olheiras. Deixou-o entrar.
- Tens aqui o teu telemóvel. Foi isso que vieste buscar?
- Sim! Desculpa. Esqueci-me completamente.
- Aqui está. Podes levá-lo. Até logo, tenho que ir arranjar-me.
- Espera. Trouxe o pequeno-almoço. Não queres que prepare? Toma um banho enquanto eu preparo isto.
- Não, obrigada. Podes levar.
- Que tens?
- Que tenho? Nada. Não tenho nada. Aliás, nós não temos nada, não é? Por isso, o que é que eu havia de ter?
- Não estou a perceber. Fiz alguma coisa?
- Nada. Não fizeste nada. Está tudo bem. Leva o teu telemóvel.
- Calma... Que tens? Diz-me...
- Não me apetece falar.
- Tem a ver com o meu telemóvel?
- Ouve: esquece! Se andas com outras, não tenho nada a ver com isso, vai à tua vida.
- Não me digas que foi a X que escreveu alguma coisa.
- ...
- Foi? Diz-me, estás a deixar-me preocupado!
- Ok. Foi. E eu li, desculpa, mas li. Pensei que fosses tu a escrever-me, já que não tinhas telemóvel. Mas ainda bem que li. Percebi que a tua conversa é sempre a mesma!!
- Desculpa?
- Sim... Os cavalos. A quinta. A música clássica... Eu pensei que me estavas a contar isso tudo, porque eu era especial. Afinal, contas a todas que aparecem à frente. Atiras o isco a ver se cola. Atiras os trunfos todos, lanças o charme e tal. Precisas de romance e queres obtê-lo à força toda em qualquer lugar.
- Estás a interpretar tudo mal. A X é minha ex namorada. E conhecia-me como ninguém. É normal que soubesse ao fim de três anos o que eu gostava, tal como tu sabes... e ao fim de apenas dois meses. Já pensaste nisso?
- Não é nada. Afinal não sou especial.
- Claro que és. Contei-te tudo sobre mim. E tu própria só tiveste a confirmação que... sou coerente!! O que te disse que gosto é o que sou. Só tens que pensar nisso. Não criei uma personagem, não inventei nada. Abri-me totalmente contigo. Partilhei tudo contigo. Porque gosto mesmo de ti. Porque me estou a apaixonar por ti!

Ela sorriu, por fim. Ele não era viciado em romance. Era viciado naqueles sonhos que tinha. Era viciado em partilhá-los com quem fosse especial. E ela era especial. E estava, afinal de contas, também completamente viciada. Estava viciada nele.

3 comentários:

  1. Anónimo19:03

    Tenho uma lágrima ao canto do olho pah ;)
    Ps: adoro as tuas histórias e o teu blog.
    Bj

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  2. Nada melhor, para começar a semana " que texto " . Parabéns .

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  3. Para quando um Romance?? Já tens uma leitora fiel para quando isso acontecer ;)
    Aguardo ansiosamente :D

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