quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Pronúncias

Já vivi em três cidades diferentes. Por ter nascido numa. Estudado noutra. E ter trabalhado numa terceira cidade. Tenho amigos algarvios, alentejanos, alfacinhas, tripeiros e minhotos, além de amigos que já viveram noutros países. E acho que aprendi a, no final de duas frases do meu interlocutor, colocar automaticamente um "pin" no mapa de Portugal, qual Google-maps-humano, e que representa de onde a pessoa é. Por norma, consigo acertar se é de Aveiro ou Cortegaça. Lisboeta ou da margem Sul. De Évora ou de Beja. De Guimarães ou de Braga. E a verdade é que adoro pronúncias. Adoro as pequenas nuances que cada zona do nosso pequeno país apresenta. As expressões típicas de cada cidade ou a própria musicalidade do discurso, que varia consoante viajamos Norte-Sul-Este-Oeste.

Por isso mesmo, se há coisa que nunca gostei de ver foi pessoas que, como eu, foram para Lisboa trabalhar, e que adaptaram a pronúncia. Tenho muito orgulho na minha e acho mesmo que todos deviam ter. Ver portuenses que, no final de dois meses em Lisboa, falam como se fossem nascidos e criados aqui - NOOT. Encontrei uma colega há uns tempos, cumprimentei-a, ela falava com forte pronúncia e com uns palavrõezitos à mistura, nada de escandaloso, até me ri. O telefone tocou "tôooo?? épá já lhe disse que não devo DE ir hoje. Não trouxe os TÉNIS e nem tenho CABIDE para pendurar depois o fato. VÁA, beijo.*" O meu Google-maps-interno estava confuso, o pequeno "pin" saltitava no mapa, sem saber onde pousar. Não gosto. Não gosto de pessoas que alteram a pronúncia propositadamente. Era o mesmo que eu começar a utilizar o verbo 'abalar' no sentido de 'sair', como as minhas amigas alentejanas usam. É delas, não me vou apropriar indevidamente dele. Sei que é normal mudarmos, sem querer, algumas expressões ou a própria maneira de falar, de acordo com o sítio em que vivermos. Mas deliberadamente alterarmos a nossa identidade consoante o interlocutor? Não gosto, definitivamente.

*A título de curiosidade, o discurso dum portuense seria: "tou? já disse que não devo hoje. Não trouxe as sapatilhas e não tenho cruzeta para pendurar depois o fato. Ok? beijoo".

4 comentários:

  1. Ahah a piada é não nos adaptarmos - só assim podemos realmente ter estas picardias! Eu de cada vez que vou a espanha, pegam em expressões portuguesas e vice-versa! :)

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  2. Pois o meu sotaque é tão tão algarvio que não engana ninguém! Lá tento ter mais cuidado quando apresento palestra mas, regra geral, nunca tento esconder. Sou algarvia "de gema", vou fazer o quê? :D e tb adoro sotaques, trabalho com gente de todo o país!!!

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  3. Adorei este texto :)

    homem sem blogue
    homemsemblogue.blogspot.pt

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  4. Gostei do "testo"! (como se diz na terra onde nasci.)
    "Veijos!", (como dizem alguns na terra onde vivo)

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